5. Texto 1 - O nome de quem?Um mero exercício escolar em que a professora pede aos alunos que escrevam por extenso os nomes dos numerais de 10 a 19. O enunciado solicita, num português padrão inatacável: "escreva ao lado de cada numeral o seu nome" (isto é, o nome do numeral). Ao que o aluno Brunno respondeu escrevendo o seu nome (o nome dele). Mais uma piada instantânea da web, das muitas que nossa educação capenga produz todos os dias, das quais não sabemos se devemos rir ou chorar.
Mas o que interessa aqui é o problema da ambiguidade semântica que tem para nós o pronome possessivo "seu". Em princípio, esse pronome refere-se à 3a pessoa, tanto do singular quanto do plural, significando "dele, dela, deles, delas". Temos então seis pronomes pessoais (eu, tu, ele/ela, nós, vós, eles/elas) e seus respectivos possessivos (meu, teu, seu, nosso, vosso, seu).
O fato de "seu" poder referir-se tanto a "ele/ela" quanto a "eles/elas" já é um primeiro complicador, visto que outras línguas têm possessivos distintos para singular e plural: francês son x leur, italiano suo x loro, inglês his/ her/its x their, e assim por diante.
Mas as coisas se complicaram ainda mais quando o antigo pronome de tratamento "vossa mercê", que exigia o possessivo de 3a pessoa "seu", metamorfoseou-se em "você" e se tornou pronome pessoal: o português passava a ter dois pronomes pessoais de 2a pessoa, "tu" e "você", o primeiro, mais íntimo e informal; o segundo, mais formal e cerimonioso. A partir desse momento, o possessivo "seu" passava a significar "dele, dela, deles, delas" e também "de você" e "de vocês".
Na maioria das vezes, o próprio contexto linguístico ou extralinguístico permite discernir de quem se trata, se de você ou dele, se de vocês ou deles. Além disso, o emprego de "você, vocês" é relativamente restrito na maioria dos países de língua portuguesa, dado o caráter formal do pronome. A grande exceção a essa regra é o Brasil. Aqui, "você" generalizou-se como pronome de 2a pessoa, fazendo de "tu" um pronome arcaico ou regional. Por conseguinte, "seu" é para nós predominantemente o possessivo de 2a pessoa do singular (de você), de modo que, quando queremos nos referir à 3a pessoa, usamos quase invariavelmente "dele/dela". Essa foi a solução encontrada pela fala popular. Entretanto, o estilo mais formal ainda repele em grande parte esses possessivos substitutos (que, a rigor, não são pronomes, mas locuções formadas da contração da preposição "de" com pronomes pessoais, resultando em adjuntos adnominais).
Assim, é natural que o enunciado do involuntariamente humorístico exercício, redigido em norma padrão, diga "escreva ao lado de cada numeral o seu nome" e não "o nome dele". Só que o aluno Brunninho, muito fofo, ainda está aprendendo os nomes dos numerais, portanto deve ser aluno das séries iniciais do ensino fundamental. Logo, é bem provável que ainda não saiba a diferença entre português formal e português coloquial. (...)
Não sei que nota o garoto tirou nesse exercício, mas a sua resposta está tecnicamente correta em face da ambiguidade do enunciado (pelo menos do ponto de vista de um estudante primário) e de sua vivência de falante do português, dotado de uma competência pragmática intuitiva. É claro que ele deve ter achado o exercício meio bobo (por que a professora está pedindo que eu escreva dez vezes o meu nome?), mas, se ela mandou fazer, eu faço, ora!Marque a alternativa correta a respeito do texto.